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mercoledì 31 luglio 2013

Cena 1 do roteiro de videodança sobre ftonosofia

O texto aparecerá na VIS editada pela Soraia Silva. Escrevi com Carol Barreiro.

Cena 1:
Alpendre. Lá está o primeiro anjo, gordo, com uma roupa de terreiro e com um sorriso de quem deitou-se na rede o dia todo. Ele abre os braços, se alonga com demora e, sorrindo, murmura:

ANJO: Ai que preguiça. Preguiça do amor bom. Preguiça do amor tributável. Preguiça do amor que admira sem arrancar pedaço. Preguiça do amor que é caridade e não dilaceração.

O anjo deita na rede vermelha, trançada, cheia de óleos esparramados e, com a voz de uma heresia gnóstica cáustica:

ANJO: Eu sempre amei essa coisa disforme, fugidia, levada, precária, indisciplinada, transformista, safada e violenta que é a sabedoria.

O anjo se balança na rede enquanto levanta as pernas roçando uma na outra. Aparecem agora apenas suas pernas, seus braços do lado de fora da rede vermelha. Aparecem cinco pernas, cinco braços rodando por cima da rede como um carrossel – o anjo agora é um Nataraja cheio de blasfêmia e de lascívia.
E sua voz é mais distante, como uma sombra:

ANJO: Eu procurei a audácia e com ela tive filhos.

A primeira foi Kakia, a maldade, a que abre descendência para a errância, para a imperfeição, para o mal-comportado – sem elas não vale a pena gerar nada. Ela veste uma saia branca, transparente e um casaco azul ou verde, um casaco de jogging com listras brancas. Ela salta por cima da rede do anjo que segue rodando suas pernas e braços como um carrossel. Kakia não tem fronteiras, seu corpo é uma porta aberta e ela vaga como se seus dedos tocassem facilmente o céu e o piso.
Depois vem Zelos, o zelo. Zelos veste as cores da terra – como um bufão elegante, com detalhes dourados em seus ombros. Ele bate com a ponta dos dedos na cabeça de Kakia, na cabeça do Anjo Nataraja, na sua própria cabeça.
Depois entra Ftono:

FTONO: Não me basta ser eu. Tenho uma ânsia de fome de carne por tudo o que é alheio. Eu não tenho âmago. Tenho ciúmes de vocês todos, desde antes de vocês nascerem. Eu sou a vítima e o carrasco, eu sou o vampiro do meu próprio coração. Héautontimeroumenos!

Ftono pula corda com as outras duas, Erinnys, a fúria, e Epithymia, a luxúria. Os três filhos mais jovens da audácia. De longe aparece Pina Bausch correndo desde fora do enquadramento, corre com determinação e abraça Ftono, Erinnys e Epithymia de uma só vez. A corda que eles pulavam se entrelaça entre eles, passando pelas pernas de Epithymia, pela dorso de Ftono, pelas ancas de Erinnys e pelo quadril de Pina. Pina repete:

PINA BAUSCH: Tudo pode ser considerado pelo avesso, tudo pode ser considerado do avesso, tudo pode ser considerado do avesso, tudo pode ser considerado do avesso.

Ftono tem ciúmes do modo como Epithymia roça seus dedos em Pina. O anjo voa. Erinnys se retira correndo, Epythymia e Pina se deitam na rede vazia. Ftono fica balançando a rede. O pensador de Rodin surge da casa e se senta na mesa do alpendre. Ele não se move, apenas pensa:

RODIN: O ridículo nos engole como crianças.

lunedì 22 luglio 2013

Pedaço de uma geodança a ser esquecida (e que é também sobre Docemente, de Laura Virgínia)

Dizem que dançar é atiçar as dobras. Põe meu corpo em um devir-tripas. Retorço. Contorço. Dançar é desamarrar.
É provocar as rachaduras. Balançar as articulações. É que por toda parte existem tectônicas. Vulcões. Terremotos prestes a eclodir. Todo corpo tem uma pele. E pele dobra, estica, dilata, arde, dissolve, distrai, lembra, contorna. Dançar é tentar inventar outras dobras. Dançar deve ser produzir um corpo desabotoado.
Dançar: provocar desengonçamento. A elegância de um novo vulcanismo, não do vulcão disciplinado de todos os dias – o que abre a carteira, sacode os ombros, caminha sem cair, deita sem pular, trepa sem soluçar – o vulcão que já virou chão, mas o vulcão que perdeu o fio de meada entre a lei da natureza e a superfície da terra.

É que a Terra dança. Engole a semente, rasga, soluça, eclode, engole, balança o glote, fica peristáltica, vomita, faz pliê.
Este desengonçamento todo, que me interessa, não é outra coisa senão o ardil das intrusões. Nossos corpos não cabem na armadura humana. Nenhum corpo, porque carrega a impostura humana, deixa de ser corpo. E corpo encorpa. Corpo é um endereço, uma encruzilhada. É corpo multiplicado como o de Jorge Eduardo Eielson que escreve:

Se gozo somos todos que gozamos
Ainda que nem todos gozem
Se choro somos todos que choramos
Ainda que nem todos chorem
(“Corpo Multiplicado”, In: La Noche Oscura del Cuerpo)

Corpo faz corpo, perpassam-lhe as lacraias, os barulhos da terra, as lavas, as larvas, as sedimentações das rochas, os miasmas. O desengonçamento é cósmico, está nas pequenas rachaduras que dão forma aos movimentos, e nas convulsões da Terra, nas camadas sobrepostas em garranchos que formam as superfícies acumuladas do planeta.
A dança é larval. É intrusão – é caixa de ressonância. Laura Virgínia fala de como a Terra se segura:

Acelera seu coração, abre fendas em larga extensão buscando alguma compensação e vive de flexível segurança, a Terra se equilibra fazendo frases de dança. (in: Buquê)

A Terra não dança apenas as intrusões do momento, mas as ressonâncias do seu passado, seu afundamento, aquilo que sedimentou seu chão.
Todo chão é sedimento.
Todo chão é relíquia.
Todo chão é piso. Vestígio. Rastro.

Entre as rochas sedimentares de Brasília, os ritmitos. Eles codificam os ritmos do que ocorreu ao redor deles. Toda regularidade fica registrada na sua sedimentação.
Paulo Bertran diz que algum dia, há milhões de anos, produziram-se os ritmitos de Brasília, como indica o nome, pelo ritmo das ondas do mar que cobria a região (Em História da Terra e do Homem no Planalto Central).
A dança da terra é a dança da falta de um fundamento, de um chão de todos os chãos, de uma base – a Terra dança, diz Laura Virgínia, porque o chão não tem chão, ele se apoia nos outros pedaços de chão. Unbedingt, é a palavra de Schelling: aquilo que não é uma coisa. É o movediço.
Areia. Não pedra, nem piso impermeável.
Planeta Areia. E a Terra dança como quem pensa que não é corpo: ajunta mais matéria à matéria que decai. O chão engole. Engole o lixão, o vulcão engole Empédocles. Ben Woodard escreve sobre a Terra sem fundamento e que o racha entre

o de outro mundo e o ctônico faz um paralelo com a divisão entre Vernunft e Grund, ou entre o transcendental e o imanente. Mas essa relação da transcendência e da imanência não é kantiana ou hegeliana mas schellingiana, e está conectada com o vulcânico. O vulcânico é o pivô entre inferno/terra e transcendência/imanência. (On an ungrounded Earth, 74).

A geofilosofia não encontra o desengonçamento de Gaia na Terra. Ela faz dança do chão. Não é esbelta, ainda que nem todos sejam deselegantes, não é graciosa. Mas move – quando move arrebata.

E todos os planetas que a rondam, rodam, rodam, rodam em circuito, seguem um itinerário que fica esboçado como uma coreografia de passo marcado. Porém fazem pequenos desvios. Os epicuristas gostavam de olhar para quando as órbitas dão uma errada, quando os planetas ficam errantes, errôneos, erroristas. São microdanças, mas são para elas que há órbitas, sistemas solares, galáxias: para que em algum momento cada coisa saia do espaço que lhe cabe. Lucrecio proclama assim sobre o clinamen:

Quando átomos movem-se através do vazio pelo seu próprio peso, eles desviam um pouco no espaço em um momento bastante incerto e em lugares incertos, apenas o suficiente para que você possa dizer que o movimento deles mudou. Mas se eles não tivessem o hábito de desviar, [...] a natureza nunca teria produzido coisa alguma.
As clinamina são as partículas de desengonçamento – poderiam se chamar desengonçons se quiséssemos realmente considerar a dança como objeto de ontoscopia. Jonathan Swift desdenhou as clinamina uma vez dizendo que elas fazem unir o quadrado e o círculo. E não é o que faz o desengonçado? Exala do círculo o quadrado, exala do quadrado o círculo.

Uma vez escutei o Jerôme Bell falando: por que as pessoas vão ver tantas vezes o Lago dos Cisnes? Ele dizia, é porque os bailarinos tem uma maneira própria de errar. O momento do desengonçamento. O momento do desengonçamento é o momento da graça. Porque se não houver o momento da graça – que intervenham os deuses que criam outros precipícios – é melhor ficar contemplando os relógios de parede, ponteiros que balançam por anos no mesmo ritmo. Ou ouvir metrônomos. Os epicuristas não acharam os relojoeiros perfeitos. A terra desengonça. É por isso que estamos sempre olhando as estrelas. No meio dos gestos ratos apinhados de ninharias há uma graça. Os bailarinos não são funcionários, mas os funcionários são bailarinos. É que quem dança, eu entendi, tem corpo – os corpos tem bordas e carregam clinamina. Mas os bailarinos não tem um corpo de bailarino – como os funcionários tem corpos de funcionários, as lavradoras tem corpo de lavradoras, os alcóolatras tem corpos de alcóolatras, os masoquistas tem corpos da masoquistas, as catadoras de coco tem corpo de catadoras de corpo, as putas tem corpo de putas, os ministros tem corpo de ministros, os pedintes tem corpo de pedintes e os empregados de telecentros tem corpos de empregados de telecentros. Os quadrados tem o corpo de quadrado. O círculo tem o corpo de círculo. Os bailarinos estão em função das dobras invisíveis, não podem se dar ao luxo de ter um corpo... de bailarinos. Flexível segurança. Cada pedaço de corpo desengonça e baila.

Diferentes, diz Jean-Luc Nancy no seu apontamento 22 sobre o corpo, os corpos são todos um pouco disformes. Um corpo perfeitamente formado é um corpo perturbador, indiscreto no mundo dos corpos, inaceitável. É um esboço, e não um corpo.

O cotuvelo, o tornozelo, a clavícula, o rego, o grelho, a pica, todos disformes. Todos ficam no limiar entre a onça e a diferença. E desdobram, se arranham, coçam, têm convulsões, eclodem, porque toda matéria tem pele.
Se tem pele tem flor da pele. Senão, com que braços essa mônada esquisita coordenaria e animaria tudo isso? Deus tem graça porque perde o rebolado. Tem flores na pele. Pétalas na pele. Como Nataraja, pernas que se dobram, vírgulas pra todo lado, que se estica, se encolhe e anima seus arredores bolinando. Alinhado mas não simétrico, machucado mas em movimento. Ou como a Pachamama, dorso de sapo, ventre de onça, rabo de cobra, crina de condor. E seduz, seduz, seduz e conduz. Só quem tem o rebolado pode perdê-lo, como os anjos que vivem no sol, como os santos que vivem no céu, como os demônios que vivem no fogo. Deus é uma lagosta. Patas espraiadas, asas espraiadas, cordas espraiadas espalhadas para além do que deixamos de ver. E a falta de deus é uma viscosidade – aquela ausência que faz companhia na pele por todos os dias do ano. As deusas cadáveres, que fazem ganir. Ganir. Ganir. Ganir. Ganir. A voz desarrumada de uma garganta desengonçando. Porque há abismos na matéria.

lunedì 15 luglio 2013

O ritmo da fertilidade

Em uma quinta-feira da minha infância ainda sem data
eu andava no fim da tarde por entre as sombras mais longas
com uma pessoa do tempo em que as pessoas não tinham nomes
ou seus nomes ainda eram menos que suas mãos.
Apareceram umas feiticeiras, do alto das pontas das folhas das árvores,
mas também umas folhas das árvores, a resina, o pólen e a gosma que não é coisa:
- É generosa, cheia de gêneros, e por isso é fertilidade.
Quando me lembrei de suas caras completas,
invoquei as deusas da prenhez incontrolada: Oxum, Shakti, a Khora, Hyle - a matéria.
Era um mantra repetido, como não são os textos escritos e nem como o calendário das estrelas,
era executada. Executada a fertilidade.
Assim, ela esvai os gêneros.
Deixa todos eles escaparem de suas mãos.
Muitos, de uma só vez.


giovedì 11 luglio 2013

Testemunho do Testamento

Queria ficar mais tempo na terra.
Ela me traga. Me lambe a seco meus mais minúsculos músculos, quina por quina, ruga por ruga. E me suga de uma vez já que nela fala a força que vai ao centro do planeta. E fala em uníssono. A terra me cobrindo todos os ossos ainda vivos me fez isso: deixou meus dedos parecidos com meus pelos, meu pescoço se sentindo um fêmur. É que ossos não vivem. A terra também não vive neles. Testemunhei um homogênese: o ímpeto da contaminação em todas as partes - ser sugado, ser parte do chão, ser o mesmo (mas com a acidez que acumulei dos meus dias na parte de cima do chão). A terra traga. Acolhe, aconchega. Ela chega ao chão.
Há também os roedores, que nem esperaram minha carne começar a apodrecer para me digerir em nome da terra. A terra é lenta como o solo de uma azinheira, mas rapidíssima como seus répteis na iminência do bote. Rápido demais pra mim. Uma pressa de horizontalizar.
A terra faz cócegas. Ela tem ânsias.
Parece toda antiga, e sua pele é familiar e conhecida.
A temperatura da terra – boca seca mordaz – também é ambiguidade. Fria e acalenta. Me amassa e me expele.
Ela é imensa e é um quinhão. Me come, e me cospe. E eu é que parecia estar tragando a terra. Ancestral e inesperada. Entrei em entranhas. Eram entranhas de tudo o que foi, desde sempre, o meu chão. Mas eram estranhas.
Queria ficar mais tempo na Terra.


domenica 7 luglio 2013

Testamento (quase pronto para as Noites Mortas)


Vim preparar para morrer.
Todos os dias.

Aprendi que morrer não é ir-se para o acabado,
é permanecer pela lama solta.
Não contemplando, mas se arrastando nas pedras, como musgos.
Não sobrevivendo depois de sobreviver,
mas seguindo sem ter com o que seguir
sem ter carne, nem osso, nem uma grama de tutano.
Vim preparar para despedaçar.
(Bater com os pés um ritmo centrífugo)

explodir.

Eu e a mariposa devorada pelos abutres e também
eu e o sol, prontos para se largarem de si,
já que nem tudo é vida.

Virar chão, virar pedra, virar matéria
sem órgãos.
Cada célula do meu corpo
veio aprender a ser inanimada.
Devorada.
Dissolvida.
Matéria cada vez mais bruta, cada vez mais prima
Ela, a fêmea de todas as esquivas: a matéria
Ela me pare, ela me para.
Em vida eu só tenho dela a pele.
Morrer é ter-lhe o âmago.

Há o outro lado, me contam as horas, sonhadas ou vigiadas.
Há o lado explícito, material, incontrolável e voluntarioso
de todas as coisas - aquilo do que eu sou feito:
as peles que chamo minhas, minhas rugas, meus calos.

O lado bruto, a parte prima, que nunca seguirá um caudilho.

Ingovernável.

Também meus pós preparam sua deriva
todos os dias sem substância, já desgovernados,
repetem os batalhões genéticos das moléculas
dos meus rins como quem vira Orfeu por um segundo
e se largam. Eles me preparam, me dobram, me enrugam.
Me vestem e me maquiam para ir para fora,
para fora da legislação.

E me devoram. Ganho intimidade com minhas bactérias
que me conhecem, por que são minhas outras de dentro,
minhas parceiras de corpo e que se aprontam
para fazer de mim o outro delas,
o outro de dentro.

Vim me preparar para misturar com o resto.
Todos os dias.
Aprendi que não é sair para fora, o resto é cosmos.
Fazer um ninho na tempestade, no fogo, no chorume
e cultivar o foro menos íntimo.
Preparar para captar pela epiderme
mais do que a aspereza e a suavidade das bordas,
os desacordos, as pulsações, as síncopes
do resto das coisas.

Preparar para engolir terra pagã,
sem hóstia, mas cheia de microdeuses e mocréias
de boca cheia.
Preparar para virar: virar boca, e ser abocanhado,
entregue às traças.

Por isso peço aos que me amarem:
por favor com cuidado, o meu cadáver, deixem no começo do caminho;
destroços aos corvos, aos vermes da terra,
às piranhas da correnteza, e também ao vento, ao fogo,
enterrem alguns ossos, me engulam se puderem, me enfiem no cosmos!
Quem tiver as vísceras prontas, sirva-se dos meus pedaços,
façam banquete, temperem a carne
com o que gostam
e me roam, osso a osso
largem os dejetos aos roedores,
os pequenos diabos dos vestíbulos,
os mestres de cerimônia do chão
os tapetes vermelhos
do céu aberto.


lunedì 1 luglio 2013

Lagartixa de Nuno Oliveira







se t
udo o qu
e tocasse f
osse ouro. a
lagartixa
mal se
mexia
. ó ela não fosse uma apanha sol. rápido
rápido. que todo este sol não há que desperdiçar.
estricnina não há que adormecer.
como uma besta h
umana que mata
o proximo para
comer. e ao qual o monge ensina
o enqu adrar-se nas leis da natureza.
a lagar
tixa
hab
itu
a-
se
a
ser
pe
qu
e
n
a
.